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Cátedra Sérgio Vieira de Mello discute a realidade de pessoas refugiadas no Brasil

O programa Mundo UFG convidou coordenadoras/es e pesquisadoras/es da CSVM para conversa sobre migração e refúgio no país

 

Texto e imagens: Júlia Barbosa

Na última segunda-feira (15/3), a Cátedra Sérgio Vieira de Mello foi tema do programa Mundo UFG, que compõe a programação da TV UFG. A exibição do programa foi ao vivo, no canal 15.1, em sinal aberto, e com transmissão nas redes sociais da emissora. 

A conversa teve a participação da Coordenadora de Extensão da CSVM, Suzete Bessa, do Oficial de Proteção da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR), André Madureira, da professora e pesquisadora da CSVM, Carolina Hissa, e do representante da Pastoral do Migrante, Roberto Portela. A ancoragem foi desempenhada pela jornalista Letícia Brito, e a tradução simultânea para libras foi feita pela intérprete Sara Raquel.

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A pandemia e o refúgio

Pessoas em condição de refúgio são aquelas obrigadas a abandonar o país de origem, seja por perseguições individuais, como causas políticas e religiosas, seja por estarem fugindo de um contexto de grave violação de direitos humanos. Ao expor esta conceituação, o professor André Madureira explicou que ainda é cedo para afirmar como a pandemia está afetando o número de pessoas refugiadas no mundo.

Ainda assim, mesmo sem uma ampla análise do contexto pandêmico, o impacto da pandemia nas vidas dos refugiados é evidente: "A pandemia tem um impacto muito grande no dia a dia das pessoas refugiadas, principalmente na sua integração local nas comunidades de acolhida. Elas precisam se integrar a estas comunidades, aprender o português, encontrar trabalho formal, tudo isso no contexto de isolamento", afirmou o professor.

Perguntado sobre o número de refugiados que contraíram o novo coronavírus no Brasil, Madureira afirmou que houve um monitoramento dos casos, no início da pandemia, como parte das ações coordenadas pela Operação Acolhida, juntamente à diversas organizações, governamentais e comunitárias. Entretanto, o professor falou da dificuldade em obter dados concretos: "O número atual de migrantes que contraíram a Covid-19 é difícil de termos, tendo em consideração o tamanho continental do nosso país, além da constante movimentação destas pessoas pelo território nacional".

Neste sentido, Madureira reafirmou a importância do Sistema Único de Saúde (SUS) para garantir, às pessoas em situação de refúgio, o acesso à saúde pública, bem como aos demais direitos básicos. Ainda segundo Madureira, a ACNUR, a nível global, está trabalhando com os países para que as pessoas refugiadas possam fazer parte dos planos nacionais de vacinação. No Brasil, os refugiados já estão sendo contemplados pelo plano de imunização, com os mesmos critérios dos cidadãos brasileiros.

Atravessando a fronteira

A escolha do Brasil para solicitação de refúgio está relacionada a vários atrativos do país. "Nós somos vistos, fora do país, como uma nação acolhedora, e isso atrai. Também, porque somos um país miscigenado. Temos pessoas de várias nacionalidades, então isso coloca o Brasil como um país bastante procurado por refugiados", afirmou a professora Suzete Bessa. Além disso, a alternativa pode estar vinculada à questões de fronteira: "A pessoa, quando está se deslocando em situações como estas, nem sempre tem escolha. Vai para o país mais próximo de suas condições", salientou Bessa.

As fronteiras brasileiras, de acordo com a pesquisadora da CSVM, Carolina Hissa, já foram utilizadas como um mero cruzamento, com o intuito de atravessar o território, a fim de chegar ao sul do continente, na Argentina, por exemplo. "No início da migração, os venezuelanos não tinham a intenção de permanecerem. Ao longo das políticas implementadas, os migrantes começaram a interiorizar e permanecer, não tendo o estado brasileiro simplesmente como uma fronteira de cruzada".

Neste sentido, Hissa explicou que existem normativas internacionais sobre a proteção aos refugiados. Seguindo estas orientações, os países se comprometem a implementar estas garantias. No Brasil, a Lei de Migração e o Estatuto dos Refugiados são exemplos de normativas formuladas nacionalmente para assegurar essa proteção e que incentivam a permanência dos solicitantes de refúgio.

Segundo o voluntário da Pastoral do Migrante, Roberto Portela, a pandemia intensificou problemas e preocupações, também relacionadas à fronteira. “Com a pandemia, a gente sofre dois impactos gigantescos: o primeiro, a dificuldade de acesso dos migrantes aos direitos, como benefícios sociais; o segundo, o fechamento de fronteiras, com o impedimento de entrada e a ilegalidade'', apontou Portela.

O fechamento de fronteiras, especialmente no atual contexto, não pode ser pensado como uma questão constitucional. Carolina Hissa enfatizou que a entrada, saída e permanência de estrangeiros ainda é uma questão de exercício de soberania de um Estado. Esse é um dos grandes dilemas na defesa dos direitos dos refugiados. “É como se concretiza todo o direito na prática. [...] O fechamento de fronteiras agrava muito mais a situação do refugiado e isso é muito preocupante".

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Mercado de trabalho para refugiados

A permanência das pessoas em condições de refúgio está diretamente relacionada à inserção destes solicitantes no mercado de trabalho. Segundo Suzete Bessa, muitas vezes, o recurso dos refugiados é a informalidade. De acordo com Bessa, a maioria das pessoas que chegam aqui, no estado de Goiás, sendo migrantes, solicitantes de refúgio ou em situação irregular, ocupa o mercado informal, trabalham por conta própria, ou no comércio informal, como os vendedores ambulantes.

Bessa explicou que, muitas vezes, as empresas não estão habituadas à documentação que as pessoas refugiadas recebem ao terem atendidas sua solicitação de refúgio, mas não descarta o preconceito existente. "Muitas vezes, os empregadores, para além da questão da xenofobia, pois muitos não querem empregar essas pessoas, têm, também, questões em como lidar com seus direitos trabalhistas e seus protocolos de refúgio”, afirmou.

Hissa também chamou atenção para estas dificuldades no mercado trabalhista. "Há alguns anos, tivemos uma demanda de haitianos vindos ao Brasil. Recentemente, estamos com um problema na fronteira desses refugiados haitianos querendo sair do país, pois não conseguem empregos aqui", apontou a pesquisadora.

Neste contexto, também, o reconhecimento da condição de refugiado torna-se fundamental para a reestruturação da vida no país de refúgio, que se vincula diretamente a oportunidades de emprego. É o que ressaltou Roberto Portela: "Hoje, a importância do reconhecimento da condição de refugiado, permite, ao Brasil, estender um apoio humanitário, reconhecer a dignidade humana, e acolher essa grande população presente no Brasil. Os refugiados adquirem condições de se inserirem no mercado de trabalho e em sociedade".

O papel da CSVM

Para além da inserção no mercado de trabalho, as pessoas em condição de refúgio devem ser integradas à comunidade. O papel da universidade é determinante para esta integração e a implementação da Cátedra se insere justamente neste contexto: "Já há alguns anos, a comunidade internacional percebeu que a academia tem um papel muito maior. As cátedras são um exemplo prático disso. Elas atuam muito para a integração local destas pessoas", explicou o professor André Madureira.

A professora Suzete Bessa destacou: "Nós temos três linhas de trabalho, dentro da cátedra, que são o ensino, a pesquisa e a extensão. Precisamos avançar no ensino, para recepcionar refugiados nos cursos de graduação. Temos uma gama de pesquisa muito grande, que também queremos ampliar. Ainda, diversas ações de extensão que atuam diretamente com a comunidade refugiada", apontou.

Bessa ainda salientou que o objetivo da CSVM é ampliar as ações que a UFG já desenvolve na área do refúgio, o que é reforçado por Roberto Portela: "Com a criação da CSVM na UFG, a gente vai ter a possibilidade de articular projetos importantes, justamente para implementação de políticas estaduais e municipais", ressaltou. Para que os refugiados não apenas tenham direitos, mas que possam exercê-los, como concluiu Hissa. Madureira também complementou que os projetos comunitários desenvolvidos, muitas vezes pelas cátedras, são fundamentais para as pessoas refugiadas reconstruírem suas vidas no Brasil e se sentirem em casa, acolhidas na comunidade.

 

O programa pode ser assistido, na íntegra, no canal do youtube da TV UFG

 

Para conhecer melhor a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, acesse o site e siga as redes sociais da CSVM.

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