
Hospitalidade seletiva
Refugiados enfrentam dificuldades nas fronteiras com o Brasil, apesar das legislações protetivas
Texto: Guilherme de Andrade
Nos 60 segundos vermelhos do semáforo, se abaixam algumas janelas dos carros e um “não” rápido e discreto, nem sempre educado, vem dos brasileiros e brasileiras do lado de dentro para os venezuelanos e venezuelanas que pedem alguma ajuda do lado de fora. Essa cena que se tornou cotidiana em algumas cidades brasileiras reflete em parte o que acontece nas fronteiras do país. Nos últimos seis anos, o número de entrada de venezuelanos no Brasil vem crescendo devido à instabilidade política, social e econômica na Venezuela. Mesmo com uma legislação tida como protetiva dos direitos dos refugiados, uma série de descasos e violações de direitos acontece com essa população ao entrar no Brasil.
Que se quebre o mito da hospitalidade brasileira, visto que essa hospitalidade parece ser seletiva. Os povos latino-americanos que vêm ao Brasil em busca de acolhimento, se deparam já de início com violações de seus direitos e descaso. Em Pacaraima, fronteira de Roraima com a Venezuela, não raramente se encontram grupos de refugiados sem documentação e sem acesso aos abrigos da Operação Acolhida, dormindo na rua ou em acampamentos irregulares. Enquanto o processo de documentação e interiorização desses grupos não é concluído, suas vidas permanecem em pausa, e esse processo pode se estender por meses. Com crianças e idosos, essas pessoas enfrentam o frio da noite e a chuva nas ruas enquanto sua situação no país não é regularizada.
No Brasil, de acordo com a lei número 9474 de 22 de Julho de 1997, é o Comitê Nacional para Refugiados, o CONARE, o órgão responsável pela análise dos pedidos de refúgio. É compromisso assumido pelo Brasil servir de refúgio, e é proibida a deportação dos solicitantes da condição de refugiado. Internacionalmente, desde a criação do alto comissariado das nações unidas para refugiados (ACNUR) em 1950, são os preceitos da convenção de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados, atualizados pela declaração de Cartagena sobre refugiados em 1984, que fundamentam de forma específica o direito dos refugiados.
Mesmo que as legislações internacionais e brasileiras forneçam mecanismos para a proteção dos direitos das pessoas refugiadas, a realidade do processo de interiorização e acolhimento desses grupos dá alguns sinais de ineficácia. Seja pelo atraso na análise dos pedidos de refúgio, seja pela situação precária de alguns acampamentos ou pela inconsistência dos dados obtidos na fronteira, o processo de entrada de refugiados no Brasil apresenta falhas. A ação de responsabilidade do Estado pede complemento de instituições internacionais, organizações não governamentais e da sociedade civil a fim de promover uma garantia mínima de direitos a esse grupo.
A jornada em busca de acolhimento e restabelecimento de uma vida normal começa com a saída forçada de sua terra natal, devido a uma situação de perseguição e/ou generalizada violação dos direitos humanos. Se falhamos em entender sua jornada, falhamos em acolhê-los. Entre a chegada na fronteira brasileira e a realização plena dos direitos do refugiado, esse grupo esbarra em algumas frustrações. Enquanto a presença latino americana no Brasil for tida com a mesma estranheza e indiferença dos semáforos o acolhimento não será completo. Se faz necessária a garantia dos mesmos direitos que qualquer outro estrangeiro vivendo no Brasil tem, seja ele da Venezuela ou da França, por exemplo.
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