Kamilla na imagem de cima e Isaque na de baixo, via Google Meet

Ensinar, acolher e construir novas histórias

Estudantes do IFG são premiados em concurso do Itamaraty sobre Língua Portuguesa com o artigo “Aprendizagem em movimento: a docência em formação no ensino de português para migrantes haitianos”

 

Texto: Heloisa Sousa

Imagem: Reprodução do Google Meet

 

Kamilla Christina Alves e Isaque Lima da Silva são professores voluntários do projeto virtual “Movimentos Migratórios em V: português para falantes de outras línguas – MoV(irtual)”, que surgiu em decorrência da pandemia de Covid-19, no Instituto Federal de Goiás (IFG). Kamilla aguarda o diploma de graduação no curso de Letras e Isaque está no sétimo período do mesmo curso, se preparando para a defesa de seu TCC, também voltado para o Português como Língua de Acolhimento (PLAC).

Os dois, orientados pela professora da área de Línguas do IFG, Suelene Vaz, foram vencedores no Concurso IILP-Itamaraty de Artigos Científicos sobre a Língua Portuguesa (PLNM), na categoria graduação. O artigo desenvolvido pelos estudantes leva o título “Aprendizagem em movimento: a docência em formação no ensino de português para migrantes haitianos” e é resultado de um projeto de extensão anterior e que deu origem ao MoV(virtual) chamado “Acolher, Ensinar e Aprender: português para imigrantes em situação de vulnerabilidade”, que existe desde 2017, sendo coordenado por Suelene. 

Hoje, o grupo envolvido no projeto de extensão que tornou o artigo dos estudantes premiado, aguarda com empolgação a publicação do trabalho na quinta edição da Revista Platô. Então, para entender mais sobre a realização desse projeto que trouxe o prêmio internacional para Goiás, tivemos uma conversa com Kamilla e Isaque que você pode acompanhar a seguir.

 

Heloisa: O artigo de vocês surgiu a partir de um projeto de extensão. Falem mais sobre ele e sobre a atuação de vocês dentro do projeto.

Kamilla: Eu entrei no projeto em 2019, quando era presencial. Então eu participei de uma turma e depois eu passei para outra turma. No primeiro semestre de 2019 eu era auxiliar. Nessa turma tinham alunos não letrados e a gente fazia um acompanhamento mais próximo deles. Depois, em 2019/2, a gente criou uma turma de bordados. A gente ensinou as meninas a bordar e a escrever em português, então elas bordaram a linha da vida delas, com os acontecimentos mais importantes. Então tiveram meninas que colocaram quando foi mãe, quando se formou no ensino médio, quando casou, foi muito legal. Aí veio 2020, junto veio a Covid e aí a gente passou para o ambiente virtual, o ambiente remoto. A gente começou a trabalhar com os haitianos falantes zero de português, foi aí que eu tive contato com o Isaque. 

Isaque: Eu entrei no projeto no meio do ano de 2020, após a mudança de presencial para remoto. Então a nossa turma é denominada “Acolher A-1”, para falantes zero de língua portuguesa, todos haitianos. Então a minha participação se iniciou aí e a nossa jornada foi bem diferente porque, como a Kamilla falou, nós não tínhamos contato na instituição. Nosso primeiro contato foi através do projeto e tivemos aí vários progressos e o artigo nasce justamente dessa união porque, através dela, a professora Suelene nos possibilitou aproximar desses alunos e, consequentemente, gerar atividades. É como a própria professora Suelene fala: que nunca viu professores trabalharem dessa forma, de se preocupar sempre com o aluno, de mudar a metodologia da aula enquanto ela está ocorrendo para, principalmente, atingir os alunos em específico. 

 

Heloisa: Como surgiu a ideia de escrever o artigo?

Kamilla: A nossa professora orientadora veio com a proposta para a gente, da escrita do artigo. Era uma ideia muito interessante, mas a gente não tinha dimensão do quanto era grande. Quando ela veio com a proposta a gente falou “nossa, super interessante, vamos tentar”. A gente raramente diz não para alguma coisa que ela propõe, então a gente foi muito aberto a tentar e escrever o que a gente já produzia. Então a gente foi muito tranquilo. 

 

Heloisa: Vocês podem falar mais sobre como vocês estão se sentindo por terem conseguido vencer com um projeto que parece ser tão importante na vida acadêmica de vocês?

Isaque: Sobre o artigo, eu acho que ele é uma realização muito importante para a gente. Principalmente que desenvolve esse trabalho, porque ele é um trabalho totalmente voluntário e ele demanda muito tempo. É muito tempo para você entrar em conexão com o seu par competente, desenvolver as aulas e ainda lecionar. Então as aulas eram à noite, para um perfil de alunos que trabalhavam no horário comercial. Então assim, demandou muito e esse é um reconhecimento muito grande que vai abrir portas ainda porque era um projeto que existia, mas pouca gente tinha o conhecimento ou o interesse de saber que ele existia mesmo e com o que ele trabalhava. Após essa nomeação já teve um movimento muito forte, os professores agora comentando, teve uma repercussão no site da nossa instituição. Por isso é tão importante participar de um projeto como esse, porque ele envolve muita gente. Envolve não só alunos graduandos, licenciandos, como professores, doutores, toda comunidade de alunos haitianos e também outras que o projeto atinge, como venezuelanos e a comunidade indígena. Esse reconhecimento, o nome da Kamilla está lá, mas por trás dela existe uma gama de profissionais, de pessoas que estão envolvidas. E para nós, ter a Kamilla lá é muito importante, até mesmo para o nosso estado e o nosso curso. Às vezes a gente esquece a dimensão disso, que é ensinar uma língua para outras pessoas. Então é muito grande, é muita coisa que a gente está digerindo, que eu estou digerindo.

Kamilla: O que o Isaque falou é muito certo, a gente é uma comunidade muito grande. A gente tem curso de formação antes de ir para a sala todo semestre. Tem curso durante o semestre com professores do IF e professores convidados que já trabalham na área. Então realmente é maior o projeto, parece que é só a gente aqui, mas ele é muito grande e muito especial.

 

Heloisa: Com essa repercussão toda, que mudanças vocês acham que vão acontecer no projeto? Se acontecerem mudanças, né?

Kamilla: A gente vem ao longo dos anos conseguindo muitas coisas no IF. Ano passado, o IF deu uma bolsa para os alunos migrantes colocarem crédito no celular e isso já foi um ganho muito grande. E a gente sabe que, com a visibilidade do projeto, a probabilidade da gente conseguir bolsas, conseguir mais apoio dentro do instituto, é muito maior. Então a gente acredita que nesse quesito vai ajudar muito. Tanto de migrantes, porque saiu no jornal, então os migrantes vão procurar mais o instituto para ter aula, vai atingir mais comunidades. E também os alunos da Letras, os alunos dentro do IF, porque a gente tem vinte e dois voluntários e um é aluno da história, em um campus que tem cinco mil alunos. Então era para ter muito mais pessoas envolvidas e agora a gente acha que isso vai ajudar também as pessoas a se interessarem.

Isaque: Nós tivemos um evento MoV online e várias pessoas perguntaram sobre como fazer esse curso de formação para também lecionar para os haitianos e todo o público alvo do projeto. Então isso já norteou muito, isso antes da premiação, e agora acho que ampliará bastante toda a repercussão e abrangência do projeto.

 

Heloisa: Se fala muito atualmente da importância do tripé pesquisa, ensino e extensão e o artigo de vocês é isso, né? Eu queria saber como é para vocês, que estão envolvidos com a extensão, essa experiência?

Isaque: Desde o início sempre falaram desse tripé e eu ficava assim “gente, eu só quero fazer minha graduação aqui e não vou me preocupar com mais nada”. Aí a professora Suelene, eu peguei aula com ela no segundo período, me chamou para esse projeto e eu acho que foi determinante porque o IF parou por decorrência da pandemia. E assim, todo mundo preocupado e um projeto desse é muito grande. Isso me envolveu de uma forma que não faria sentido eu não fazer parte desse tripé. Então eu acho que isso vai trilhar minha jornada acadêmica e tudo por causa desse projeto. Eu tinha uma timidez e falava que não iria participar, mas sem ele eu acho que não faria sentido e por isso que ele é tão importante.

Kamilla: Para mim, essa questão de pesquisa e extensão é meio que consequência do que a gente já estava produzindo. Você produz tanta coisa legal que quer sair falando para todo mundo. Eu dei uma feira online e os alunos amaram, a gente deu tantas aulas incríveis que a gente queria transmitir para as outras pessoas. Então, para mim é consequência desde que eu entrei no projeto. Você entra e quando vê já quer passar para frente tudo o que você está vendo, o que você está aprendendo e o que você já fez. O IF ajuda a gente muito em participação de eventos e publicação, então a gente sempre teve esse incentivo, tanto da nossa orientadora como do instituto em si.

 

Heloisa: Além dessa experiência com a premiação, vocês tiveram outras experiências que foram muito significativas dentro do projeto?

Kamilla: Eu tive várias. A exposição de bordados com as alunas foi muito legal porque elas levaram as famílias delas, então mostravam para os filhos, mostravam para o esposo o que elas tinham produzido. Nas aulas online, a gente teve momentos assim, quando o Isaque canta com uma das nossas alunas, é muito bonito ver os dois. Eles cantam hinos da igreja, ele canta em português e ensina para ela em português, e ela canta em criolo mostrando como é lá [Haiti]. A gente deu uma aula uma vez sobre família e eu falei para ela que eu não tinha pai e ela ficou muito sentida por eu não ter pai, então a gente se sente muito acolhido, é muito bonito. Quando a gente ajuda um aluno a conseguir um atendimento em um hospital, a gente quer saber se estão com dificuldade de explicar e a gente dá esse apoio também. São vários momentos que a gente guarda e sempre lembra.

Isaque: Eu acho que o mais interessante foi de um aluno que estava assistindo aula, parecia ser em um supermercado. Ele teve dificuldade de voltar para casa e estava assistindo aula em um estabelecimento comercial mesmo. Então assim, PLAC de acolher, é isso. A pessoa está em diversas situações, às vezes você nem conhece a realidade que ela está inserida. Mas é por ela estar ali naquele momento, em busca de conhecimento, de querer aprender verdadeiramente a língua, foi assim inesquecível. Porque ele poderia não ir, ele poderia simplesmente desligar o telefone e dizer “hoje não” e ele estava lá. Então depois desse momento de reflexão eu falei “agora faz sentido, acolher e lecionar nesse contexto, faz sentido”.

Categorias: NOTÍCIAS