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Entrevista com a vereadora Aava Santiago

Propositora  dos projetos de lei nº 393 e 412, que contemplam migrantes e refugiados, ela conta as maiores dificuldades e como a desburocratização do acesso à saúde e educação auxilia esse grupo

 

Aava Santiago, vereadora do PSDB, lançou dois projetos de lei em prol dos imigrantes e refugiados nos últimos meses, e concedeu uma entrevista para nós, contando um pouco sobre os projetos de lei e os desafios enfrentados em relação ao cuidado com o imigrante e refugiado, em Goiânia. Além disso, ela retratou o projeto já aprovado no gabinete do prefeito sobre intolerância religiosa, que se relaciona com a pauta dos imigrantes e refugiados.

 

Durante os meses de agosto e setembro, a senhora lançou dois projetos de lei que tem como objetivo amparar os refugiados e imigrantes em Goiânia. Você poderia explicar inicialmente a diferença entre os refugiados e imigrantes? E qual a importância de um projeto de lei voltado para esse grupos?

 

Claro. Olha, embora eu não seja internacionalista, das leituras que nós fazemos a diferença entre refugiados e imigrantes é que os imigrantes estão realmente de mudança, estão migrando em busca de um objetivo em particular e não necessariamente em fuga de uma situação de violação aguda de direitos humanos, que é o que acontece em relação aos refugiados. Então, nós temos em Goiânia, Goiânia é um lugar, uma cidade, que por sua proximidade com a capital do país, sua centralidade em relação ao mapa geográfico mesmo, recebe muitos migrantes nacionais e internacionais. E tem recebido também refugiados, que têm fugido de seus países em virtude de violação permanente extrema de direitos humanos. E, nesse caso, embora sejam políticas semelhantes para acolhê-los, é sempre fundamental que a gente tenha em mente essas nuances, até porque existem particularidades, existem camadas que perpassam as vivências dos refugiados, que não podem ser perdidas de vista quando a gente faz, constrói a política pública e que diferem esse público do público dos migrantes. Embora muitas coisas sejam semelhantes e a política pública possa ser intersectorial, é sempre bom a gente ter esse olhar muito nítido de que é um migrante do que que é um refugiado para a gente acertar na mão da política pública.

 

Para você, qual é a maior dificuldade atualmente para os refugiados em Goiânia? E como o projeto de lei nº 393 poderá sanar essa problemática com relação às políticas públicas?

 

Olha, eu acredito que o problema dos refugiados é assim, embora em Goiânia a gente tenha a nossa particularidade, a gente tem uma similaridade dos desafios que os refugiados enfrentam ao redor do globo. E esses desafios, inclusive, embora a gente esteja falando de dois projetos de lei, em que um cria o programa de acolhimento, programa municipal e o outro que ensina língua portuguesa. São dois projetos distintos, têm um terceiro projeto, que embora, ele não esteja tão estritamente ligado, eu gosto de trazê-lo porque nem é mais um projeto, é uma lei que foi sancionada pelo prefeito. Que a lei de combate à intolerância religiosa. Nós sancionamos essa lei a duas semanas, que cria o dia municipal de combate à intolerância religiosa e eu acho que essas três agendas elas são correlatas, porque o maior desafio de um refugiado hoje no mundo é construir elementos de conexão de pátria e a fé é um desses elementos de correlação de pátria. Então, hoje quando a gente conversa com um refugiado, já conversei com alguns refugiados da comunidade síria e eu fiquei profundamente consternada é a assimilação dos elementos de pátria que aquela pessoa tem pela comunidade que ela está inserida, então como que a gente goianiense assimila os elementos de pátria que essa pessoa traz. E como que a gente consegue ao mesmo tempo, conectá-lo com as nossas vivências de pátria, sem com isso querer que ele abra mão daquilo que ele traz de si. Então, até se a gente for pensar na filosofia política, tem um filósofo Derrida que ele fala muito disso, da "différance" que é não pertencer a lugar nenhum, esse sentimento de pertencimento ele é muito perturbador quando ele te falta por completo. Então, eu acredito que de forma macro esse seja o maior desafio.

 

Os dois projetos têm objetivos diferentes. Quais são as diferenças entre eles?

 

Um projeto, ele cria um programa municipal de assistência a imigrantes e refugiados, que é um projeto intersetorial, ou seja, ele orienta todas as secretarias, todos os órgãos públicos de forma intersetorial ao acolhimento. Então, chega alguém aqui que é um refugiado, ele precisa passar por uma secretaria que vai ajudá-lo a emitir documentos, ele precisa ser inserido na lógica de atendimento ao SUS, se ele estiver em situação de vulnerabilidade social, que provavelmente estará, quase certamente estará, ele precisa no âmbito do município ser incluído na lista de prioridades da SEDS, que é a Secretaria de Desenvolvimento Social, na Secretaria de Saúde, ele precisa ter as portas abertas na Secretaria de Educação, caso seus filhos, ou ele próprio precisa ser matriculado em uma unidade do município. Isso é um programa intersetorial de acolhimento dessas pessoas, que é um dos projetos. O outro, ele é mais específico, que é para o ensino de língua portuguesa para jovens e adultos migrantes ou refugiados. Nós pensamos nesse projeto, porque a língua é um dos maiores elementos de conexão. É praticamente impossível se inserir na lógica da dignidade, do mundo do trabalho e até das relações humanas, se você não tiver ,digo nem domínio da língua, mas se você não conseguir transitar na língua nativa do local em que você está, no território em que você está.

Então, a gente tem várias faculdades de letras, públicas e privadas, atuando no município de Goiânia, então a ideia é partindo desse projeto, partindo de uma iniciativa do legislativo, ele não onera a despesa do executivo, porque você fecha um convênio, um termo de colaboração, em que essas faculdades de letras disponibilizem os estudantes que estão formando para que as horas de estágio sejam compridas, disponibilizando esse português básico, de leituras, escrita e fala para esses migrantes e refugiados. 

 

Eu não tenho dúvida, Luísa, que isso é um salto considerável na garantia de dignidade, de direitos humanos. É um direito humano falar e ser ouvido. É um direito humano escrever e ser lido. É um direito humano conseguir ler as sinalizações, os documentos, as orientações, ainda mais em um tempo em que a gente fala: “ah é para fazer a vacina, então entra no aplicativo da Prefeitura. É para fazer não sei o quê, procura em tal site.” Hoje o acesso a qualquer coisa passa pela língua, então quando a gente fomenta o acesso a língua, a gente está abrindo várias portas para todas as outras formas de acesso que uma pessoa pode ter na nossa cidade.

 

Os refugiados participaram desse processo de elaboração dos projetos de lei?

 

Nós lemos um material que nós tínhamos a nossa disposição de demanda de migrantes, de refugiados. Lemos reportagens, lemos pesquisas, e a partir dessa leitura de indicadores nós produzimos. Não houve uma consulta empírica, nós não conversamos com as comunidades, até porque existe um déficit de agrupamento no município de Goiânia, Se eu tiver que falar assim: “Olha quem que é o responsável pelos refugiados do Haiti em Goiânia?” Você não tem uma interlocução dentro dos órgão públicos do município de Goiânia que façam esse levantamento. Então, a gente precisou fazer a leitura de matérias, várias pesquisas para elaborar os dois projetos. Infelizmente, não foi em contato direto com as comunidades em si.

 

E como eu, ou qualquer pessoa que não está em um cargo governamental voltado para a temática pode auxiliar os grupos de refugiados no nosso município?

 

Ótimo. Então, eu até tinha hoje uma reunião -e tive que desmarcá-la porque estava na Prefeitura- com a Pastoral do Migrante, que eu acho que vai ser uma grande parceira no alcance efetivo nas pessoas, a partir das políticas públicas propostas por essa lei. A gente tem a Cátedra dos refugiados, a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, da Universidade Federal de Goiás, que é recente, mas é um baita avanço na garantia de direito e na organização de parceiros que querem alcançar essas populações. Eu acho que é um baita de um caminho e a gente tem também o Comitê de Direitos Humanos, Dom Tomás Balduino, que faz essa interlocução. No meu radar, esses são caminhos potentes de alcançar essas pessoas. Acredito que devam haver outros e na medida que os projetos vão tomando corpo, a gente vai também incorporando novos parceiros.

 

Existe uma previsão de data de implementação desses projetos de lei?

 

Bom, você sabe né, você está na Câmara, que existe um rito que a Procuradoria relata, manda pra CCJ, a CCJ vota, vem pra primeira votação, depois da primeira votação vai para o Comissão Temática, volta para a segunda votação para depois ir para sanção do prefeito. Então, não é rápido, mas os nossos projetos, pela relevância das matérias, têm tido um ritmo até bem mais rápido que a média da Câmara. Então, vários projetos meus já tão ou já foram para a segunda votação, ou estão para chegar na segunda votação, então eu vou estimar uma média dos meus projetos todos, o que mais está demorando em uma média de quatro meses. Mas é importante dizer, por exemplo, esse de língua portuguesa antes do projeto ser aprovado já quero lançar uma turma, porque eu lanço pelo gabinete, é uma estrutura menor para menos gente, com parceiros que acreditam na ideia, até para dar uma pressionada na prefeitura para transformar em política pública. 

 

E existe um certo apoio na Câmara acerca desses projetos de lei? É uma pauta bastante discutida durante as sessões plenárias?

 

Não é discutida, na verdade, eu nunca vi ninguém falando sobre isso. Mas acredito que na hora que vier a pauta, a gente vai ter muito apoio. Porque eu acho que é algo que as pessoas consideram importante, mas não está no radar delas de prioridades, infelizmente. Esse é um debate que a gente sempre faz, que é de entender que enquanto tem alguém que está refugiado, enquanto tem alguém fugindo, ninguém está seguro. A gente não vive no nosso quadradinho Brasil, a gente vive no globo terrestre. Enquanto você tem pessoas fugindo de conflitos humanitários nos seus países, todos os países, todos os direitos humanos, todas as garantias fundamentais estão sob ameaça. Então, trazer isso para a compreensão é um trabalho que exige muito debate, muita conversa, e até a gente colocar esse projetos na pauta, já significa um avanço, porque a gente vai fazer vereadores que geralmente não estão preocupados com esse assunto, prestarem atenção nisso.

 

Enquanto os projetos de lei ainda não forem sancionados, como os refugiados podem buscar auxílio no município? Quais outros órgãos tratam acerca dessa questão?

 

Além desses que eu mencionei aqui, eu acho que a SEDS, a Secretaria de Desenvolvimento Social.

 

Existe alguma entidade de ensino parceira dos projetos de lei?

 

Não, não temos celebrado algum convênio, até porque não está aberto. Mas temos portas abertas na UFG, portas abertas na PUC. E eu tenho certeza que na hora que a gente lançar a ideia, outras instituições parceiras, que já foram nossas parceiras em outros projetos, como a Faculdade UniAraguaia, a Universo. Que se habilitarão a nos fortalecer. Mas, hoje, de antemão, a conversa já está amadurecida tanto com a UFG quanto com a PUC.

 

O Projeto de Lei nº393 contribui para o combate ao discurso de ódio, à intolerância racial e aos ataques contra a diversidade?

 

Eu acho que a gente tem, como eu mencionei já, um desafio muito grande de fazer determinadas agendas existirem na esfera da política pública. E só isso, trazer a existência do debate, trazer a existência de toda essa complexidade de elementos que estão aqui. Eles estão entre nós, mas no campo da política pública, eles não existem. Isso em si já é uma mudança de paradigma, porque você vai ter pessoas pensando sobre isso, trabalhando a esse respeito, falando sobre isso. Isso já contribui para desmistificar discursos de ódio, isso já contribui para desmistificar a reprodução de preconceitos e tudo mais. E, na medida, que a política pública está implementada, tem gente que fala assim: “Ah, mas tem efeito prático?”, é claro que tem, um exemplo que eu gosto, assim, claro que guardado as devidas proporções, de trazer é o exemplo do Bolsa Família. Quando surgiu o Bolsa Escola, lá com o Fernando Henrique e depois virou Bolsa Família. Por um tempo considerável a gente ouviu as pessoas chamando de “Bolsa Esmola”,inclusive essa galera da extrema direita. Hoje ninguém fala em acabar com o Bolsa Família. Você pode ser de esquerda, pode ser de direita, ninguém fala em acabar, ninguém acha que o Bolsa Família não é importante, ninguém acha que não é importante fazer políticas de transferência de renda, porque a política pública se consolidou e mostrou a sua eficácia. Então, esse é o grande legado que uma política pública séria e responsável deixa. Então, quando a gente implementa um programa dessa dimensão, ele pode até sofrer resistências a princípio, mas na medida que a política vai se consolidando, ela por si só vai dando elementos de convencimento, de modo a que ela se torne praticamente inquestionável depois de um tempo.

 

Quais seriam as políticas públicas implementadas a esse grupo?

 

Como eu disse, assim, a cada Secretaria vai ter o desafio de pensar como ela pode acolher essas comunidades. Então, eu acho que de tudo mesmo, a palavra-chave é o “acesso”, desburocratizar o acesso ao documento, desburocratizar o acesso ao SUS, desburocratizar o acesso ao mundo do trabalho, desburocratizar o acesso à educação. Eu acho que esses quatro elementos são pilares para o resto. Então, se você consegue garantir que essas pessoas consigam acessar o Sistema Único de Saúde, consigam acessar a matrícula para estudar, consigam acessar a porta de entrada do mundo do trabalho, de forma legalizada, ou seja, também acessar os documentos. Você vai a partir disso tendo outros desdobramentos.

 

Existe uma previsão de como os agentes públicos serão preparados para o atendimento a essas pessoas?

 

Não, até porque isso faz parte da regulamentação do executivo. O legislativo propõe, e claro, na hora que o prefeito sinalizar que vai sancionar e quiser nos ouvir a esse respeito, nós vamos chamar a Cátedra, chamar as universidade para orientarem o executivo. Mas até por origem formal mesmo, isso é responsabilidade do executivo, definir como a lei será aplicada depois de sancionada.

 

No Estado de Roraima, onde o índice de refugiados é considerável, já há a identificação de evasão de crianças na escola. Os dados foram divulgados pela Secretaria de Educação do Estado. Ao seu ver, como o projeto nº 412 pretende manter as crianças refugiadas na escola, levando em consideração que essas populações se encontram em estado de vulnerabilidade social? Existirá algum tipo de incentivo?

 

O projeto de língua portuguesa é voltado para jovens e adultos, então ele não é voltado para o público infantil. É claro que a gente pode pensar, e aí seria outro projeto de lei, porque ele não está contemplado nesse. Seria uma extensão do projeto de lei do programa de acolhimento para o combate à evasão. Eu te adianto que a gente precisa pensar isso junto com técnicos da Secretaria de Educação, até porque hoje eu não tenho dados de evasão, é tão precário como eu disse para você, em termos de levantamento, eu não dado de ingressos nas instituições para poder, em seguida, ter um dado de evasão. Eu não tenho controle de entrada para poder ter o controle de saída, entendeu? Então, o primeiro passo ainda antes de falar de como garantir a permanência, é garantir a chegada. Então, a gente garante a chegada e avança para trabalhar para garantir a permanência.

 

Por fim, os professores, os funcionários serão capacitados para atender essas crianças e os adolescentes na rede municipal?

 

Então, como eu disse, depende do executivo, só que isso não impede que a gente sugira, porque isso é uma limitação do espaço de vereador. A gente apresenta o projeto de lei, mas a regulamentação desse projeto, ou seja, quais são o passo-a-passo depois que vira lei é uma competência do executivo. Nós encaminharemos quando o projeto for para sanção uma lista de recomendações de como o executivo pode implementar a lei depois de sancionada. E entre essas recomendações, estará uma recomendação que seja disponibilizada uma formação para servidores públicos do município, que estarão no atendimento direto dessas populações. Não só dentro da Secretaria de Educação, mas em todas as Secretarias que for acolher esse público.

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