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Conflitos no Afeganistão: mais que apenas um país

Potências como Rússia, Inglaterra, Estados Unidos e China influenciam a história afegã

Por Letícia de Lucena Vaz

EUA e Rússia

Legenda: Fotos de militares americanos e russos no Afeganistão. Fontes: Veja e Folha de São Paulo.

A história do Afeganistão (com destaques que podem ser conferidos aqui) foi perpassada por diversos momentos em que o papel de atores externos obteve proeminência. Tal temática voltou a ser levantada com a ascensão do grupo terrorista Talibã ao poder no país, consolidada no dia 15 de agosto em meio à saída das tropas dos Estados Unidos e aliados do país.

Na situação atual, outras potências consideradas ao abordar os acontecimentos no país asiático são China e Rússia. A última também teve peso em momentos anteriores como a década de 80 no contexto da Guerra Fria e o século XIX, durante o chamado “Grande Jogo”.

Esse cenário é apontado por Beatrice Daubt, mestranda pela Unesp, Unicamp e PUC-SP em conflitos internacionais e violência nas sociedades contemporâneas com foco no Afeganistão como um “conflito de gigantes em que os grandes afetados são grupos como mulheres e crianças”.  

Tais setores da sociedade, em face do mais recente conflito, representam 80% do contingente de pessoas deslocadas segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur). Nesse texto, separamos três momentos em que a presença de potências estrangeiras no país ocorreu de forma mais notável.

Século XIX: Grande Jogo

Destaque

Legenda: Mapa mostrando a esfera de influência de ingleses, russos e franceses na Ásia ao longo do século XIX. O círculo azul indica a região da Ásia Central em que se localiza o Afeganistão e na qual a influência de russos e ingleses faz fronteira. Fonte: World Digital Library.

O portal Nations Online aponta o século XIX como um momento em que o Império Russo passava por um processo de expansão para o sul, enquanto os britânicos, que já detinham um grande protetorado na região da Índia, buscavam assegurar suas conquistas. Essa situação ficou conhecida como “O grande jogo”, na qual os dois impérios exerceram influência na região do Afeganistão, país ao sul da Rússia e oeste da Índia.

Tal quadro passou por mudanças no começo do século XX. Essa situação pode ser explicada pela ocorrência da Revolução Russa em 1917, a qual levou as questões internas do país a obterem mais proeminência. Além disso, em 1919, o Afeganistão conquistou a sua independência da Inglaterra na chamada Terceira Guerra Anglo-Afegã.

O referido momento levou o país asiático a receber o apelido de “Cemitério de Impérios”, como relembra Daubt. Essa denominação é colocada em matéria do site Pragmatismo Político como próxima à ideia de que não seria possível conquistar o Afeganistão. O portal ressalva, entretanto, que a situação já ocorreu no passado com povos como os persas e mongóis, além de destacar a continuidade da influência da Inglaterra mesmo após o fim de sua dominação oficial.

Década de 80: Guerra Fria

Fonte: Unifal (MG).

Legenda: Mapa mostrando a divisão do mundo majoritariamente entre o apoio aos Estados Unidos (azul) ou à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (vermelho) durante o período da Guerra Fria. Fonte: Unifal.

Durante o período da Guerra Fria, a oposição entre Estados Unidos e União Soviética e o capitalismo e o socialismo, seus respectivos sistemas socioeconômicos, influenciou grande parte do mundo. No Afeganistão, a Gandhara, agência de notícias afegã, aponta uma aproximação entre o país e o bloco comunista a partir de 1973, ano em que Daoud Khan chegou ao poder por meio de um golpe.

A esse momento, seguiu-se uma década de conflitos no Afeganistão entre os soviéticos que invadiram o país e os mujahideens, “mulçumanos que lutam para apoiar o Islã” segundo definição do dicionário Cambridge. Esse grupo, conforme pontua Daubt, foi apoiado pelos Estados Unidos.

Em 1989, chegou ao fim a ocupação soviética no Afeganistão. As instabilidades no país, entretanto, continuaram sendo verificadas.

Década de 90 aos dias atuais: Talibã, ocupação americana e outras potências

Norte-sul

Legenda: Mapa mostrando a divisão do mundo entre o Norte com países economicamente desenvolvidos e o Sul com países subdesenvolvidos. A divisão não necessariamente acompanha a posição geográfica dos países em relação à Linha do Equador. Fonte: Mundo Educação.

A história do país no começo da década de 90 foi marcada por uma Guerra Civil entre 1992 e 1996. É nesse contexto que surge o Talibã, grupo que ocuparia o poder afegão entre 1996 e 2001.

O ano de 2001 representa várias mudanças no contexto da política internacional após a ocorrência dos atentados em onze de setembro nos Estados Unidos. A especialista Daubt aponta que a ocorrência de um atentado terrorista em um país que não fazia parte do sul global (como mostrado no mapa acima) aumentou a preocupação com a situação.

É nesse momento que as tropas de americanos e aliados iniciam a ocupação do Afeganistão e depõem o governo Talibã, como retaliação à recusa do grupo de entregar Osama Bin Laden, conforme noticiado pelo jornal DW. Bin Laden, líder da Al-Qaeda e mentor do ataque às Torres Gêmeas só seria capturado e morto em 2011, conforme noticiado pelo G1 à época.

Daubt pontua que a distância temporal entre esse acontecimento (apontado pelo atual presidente dos EUA, Joe Biden, como objetivo da ocupação americana em discurso publicado pela Casa Branca em 31 de agosto) e a saída das tropas americanas ocorrida apenas em 2021 leva a um questionamento sobre a intenção do país. Ela avalia que havia a perspectiva de “reconstruir instituições numa perspectiva democrática e liberal, o que não funcionou”.

Em relação ao processo de término da ocupação, a especialista analisa que “foi um plano extremamente desgovernado”. Ela, entretanto, acrescenta que “a saída era inevitável, com certeza. Já são vinte anos de guerra que demonstraram avanços, mas não resultados que, como visto agora, tenham estabelecido uma institucionalização e um fortalecimento institucional nacional no Afeganistão”.

Após vinte anos, um balanço do conflito feito pela BBC aponta a ocorrência de cerca de 180 mil mortes, 2,3 mil entre militares americanos, 60 mil entre funcionários das forças de segurança do Afeganistão e 120 mil civis afegãos. Já em termos econômicos, o jornal estima um custo de 1 trilhão de dólares.

A continuidade dos interesses de grandes potências no chamado “cemitério de impérios” é outro ponto trazido pela BBC na situação atual. No caso da Rússia e do Irã, o jornal aponta um apoio, ainda que por vezes velado, ao Talibã, com o objetivo de fortalecer a oposição à influência dos Estados Unidos na região.

Esse fator também é destacado pelo El País em relação à China. Além dele, o periódico também aponta outras duas intenções da potência ao reconhecer o Talibã: a possibilidade de assegurar interesses econômicos na região e a busca de uma garantia de que o solo afegão não servirá de base para o crescimento de atividades terroristas.

A preocupação de Pequim é com os uigures na região de Xinjiang, a qual faz fronteira com o Afeganistão. O grupo étnico indígena e islâmico acusa o governo chinês, em portal oficial em defesa dos uigures, de construir os chamados “campos de reeducação”, nos quais são relatadas a imposição de uma doutrinação política, além de recorrentes violações de direitos humanos. O governo chinês nega ter cometido abusos.

 

 

 

 

 

 

 

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