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Por uma vida melhor

O sonho de Shelton é ajudar a família que está no Haiti

 

Jéssica Valerio

 

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Legenda: Shelton no aeroporto de Porto Príncipe, a caminho do Brasil. Foto: Arquivo pessoal.

 

“Uma vida melhor”, é assim que Shelton Mathieu, 27, define o seu maior desejo no Brasil. O jovem haitiano, que já morou em Manaus e reside em Goiânia desde 2016, é casado, tem dois filhos e cursa Engenharia Civil, no IFG. Shelton nasceu na Comuna Ganthier, situada no departamento Oeste no Haiti, de origem humilde, as más condições de vida foram uma das principais motivações que o fizeram vir ao Brasil. Além disso, o sonho de ingressar na faculdade não poderia ser realizado, pois a situação financeira do grupo familiar não era favorável, como afirma o jovem.“A razão pela qual eu saí de lá é porque meus pais não tinham condições de me ajudar, então trabalhei, juntei dinheiro e vim para cá.”

A escolha pelo Brasil não foi em vão, o haitiano relata que o dinheiro poupado e as burocracias para entrar no país eram menores naquele momento. “Eu entrei como imigrante legal, por meio do visto humanitário. Lá na minha região tinha o consulado do Brasil, aí entrei em contato com eles, que me ajudaram em todo processo burocrático, demorou mais ou menos 3 meses para tirar o visto”. Aqui no Brasil, o visto humanitário surgiu para suprir a demanda de haitianos que estavam chegando ao território brasileiro, por conta do terremoto que devastou o Haiti em janeiro de 2010.

Hoje, Shelton sustenta a família trabalhando como estoquista em uma indústria de peças e acessórios. Ele relata que a situação no Brasil não tem sido fácil, pois também tem que ajudar a família composta por seus pais e três irmãs mais novas, que estão no Haiti. “Eles estão passando dificuldades porque lá está tudo caro. Eu tenho que ajudar eles, a minha mãe e o meu pai. É muito complicado para eles.” Por conta da recessão econômica e o aumento do custo de vida no Brasil, o haitiano expressa o desejo de ir para outro país. “Quero morar no Canadá, eu creio que lá terei uma boa qualidade de vida. Eu vou conseguir ajudar meus pais no Haiti mais rápido.” 

 

Breve histórico

 

Em 1990 eleições foram realizadas no país caribenho, e o padre Jean-Bertrand Aristide foi eleito presidente. Após vários anos de governo, em 2004, Aristide renunciou ao cargo, pressionado por populares, que deixaram o Haiti próximo de uma guerra civil, já que os grupos a favor e contra o presidente se defrontavam violentamente.

No mesmo ano, o presidente da Suprema Corte do Haiti, Bonifácio Alexandre, assumiu a presidência e solicitou ajuda da ONU. Foi criada então a Missão das Nações Unidas para a Estabilização no Haiti (Minustah), comandada pelas tropas do Brasil por 13 anos (2004 - 2017) e contou com o apoio de outros 15 países. O objetivo era levar ajuda humanitária, conter a instabilidade política e promover os direitos humanos no país, porém, a operação que deveria ser finalizada quando as missões tivessem concluídas, teve que ser estendida por conta do terremoto que devastou o Haiti.

No dia 12 de janeiro de 2010, um terremoto de magnitude 7.0 na escala Richter atingiu o país, provocando dezenas de milhares de feridos, um milhão de desabrigados, e mais de 300 mil mortes, incluindo soldados e civis brasileiros. A tragédia fez com que o Conselho de Segurança continuasse com a Minustah, com mais tropas enviadas a mando da ONU, que deveriam auxiliar na busca de sobreviventes, remoção de escombros e corpos, além de distribuir água e alimentos.

Em outubro de 2010 o Haiti enfrentou mais uma tragédia: a epidemia de cólera que, até novembro daquele ano, matou mais de 1.100 pessoas. O relatório de uma pesquisa a pedido da embaixada francesa no Haiti apontou que a cepa do agente infeccioso encontrado pela primeira vez no Haiti, era a mesma do Nepal. O vazamento de esgoto oriundo de uma base nepalesa da Minustah, teria provocado a contaminação do rio Artibonite, o que ocasionou a epidemia.

Ainda sem se recuperar das últimas tragédias, o país caribenho enfrentou mais uma catástrofe natural: o furacão Matthew, o fenômeno ocorreu em outubro de 2016, afetando mais de um milhão de pessoas, e deixando mais de mil mortos. Os soldados da Minustah ainda continuavam no país e prestavam ajuda para a população. Neste mesmo ano, foram realizadas as eleições que elegeram o empresário Jovenel Moïse para a presidência do governo haitiano.

Apesar de ter sido um pedido de Bonifácio Alexandre, a Missão Minustah não contou com o apoio de toda população do Haiti. Além disso, existem relatórios que apontam irregularidades na postura dos militares; Foram registrados casos de violência e abuso sexual por soldados do Uruguai, Sri Lanka e Nepal. Em 2017, o Conselho de Segurança optou pelo fim da Missão Minustah e foi criada a Missão das Nações Unidas de Apoio à Justiça no Haiti (Minujusth), que ao contrário da Minustah, não conta com participação militar,  formada apenas por civis e unidades de polícia, com o objetivo de fortalecer as instituições públicas haitianas.




A crise atual

A trajetória do Haiti é marcada por sucessivos golpes de Estado e ditaduras, fatos que contribuiram para o surgimento de conflitos entre grupos políticos rivais.O acontecimento mais recente, é o assassinato do ex-presidente Jovenel Moïse, que provocou ainda mais incertezas  no país, como confirma Shelton. “O Haiti passa por uma instabilidade política que existia desde o começo de muitos outros  governos. Não é uma coisa nova que está acontecendo, o pior é que o presidente foi assassinado. Eu não sei explicar isso melhor, mas sei que o país está passando por muitas dificuldades políticas, fome, miséria, catástrofes naturais. O povo haitiano sofre”. 

O Haiti enfrenta uma das maiores crises humanitárias da história, há pouco tempo atrás, o país considerado mais pobre das Américas, sofreu novamente com catástrofes naturais: no mês de agosto, um terremoto de magnitude 7.2 e a passagem do ciclone tropical Grace, levou a vida de mais de 2.100 haitianos. Os efeitos das crises política, econômica e ambiental associado às baixas expectativas em um cenário pandêmico, tem feito milhares de haitianos fugirem do país, só em setembro deste ano, mais de 13 mil pessoas se encontravam em um acampamento na cidade de Del Rio, no Texas, o que evidenciou uma crise migratória nas fronteiras dos EUA e México. “Essa questão migratória está acontecendo porque o haitiano está correndo da guerra civil, fome, instabilidade política, e desejam um país melhor para viver”, afirma Shelton.

O haitiano ressalta não concordar com a situação desumana e o sacrifício que é feito para entrar nos EUA, pois acompanhou de perto a história de primos e outros familiares que tentaram fazer o mesmo. “Eu sempre acompanho as notícias sobre o Haiti, inclusive eu tenho parentes que já cruzaram a fronteira dos Estados Unidos, e que hoje estão novamente no Haiti, porque o governo de lá mandaram eles embora”, afirma.

Neste momento, o que mais preocupa Shelton é os seus familiares que continuam no Haiti, e apesar de já ter se adaptado à vida que leva no Brasil, ele revela sentir falta de seu país natal. Mesmo já estando cinco anos fora do Haiti, as memórias do que viveu são pertinentes, até porque sua maior saudade ficou por lá: a família, eles não conseguem se comunicar todo dia, mas os poucos minutos de conversa acalmam o coração do haitiano, que demonstra ser cheio de fé: “Eu oro para que meu país tenha dias melhores”, finaliza.





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