Justiça do RS nega pedido do MPF para acelerar análise de solicitações de refúgio

Cada candidato ao refúgio é único e traz consigo a sua história, de modo que a garantia da dignidade passa pela recepção e pelo acolhimento das pessoas da maneira mais adequada — e, nesse cenário, o fator tempo não pode ser determinante.

Com esse entendimento, o juiz Marcelo Roberto de Oliveira, da 3ª Vara Federal de Caxias do Sul (RS), negou pedido para que a União fosse obrigada a acelerar os procedimentos de análise das solicitações de refúgio.

O Ministério Público Federal (MPF) ingressou com a ação alegando que há demora injustificada do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare) para decidir sobre os pedidos de refúgio, sendo criados empecilhos burocráticos aos imigrantes, como a imposição do dever de buscar a Polícia Federal anualmente para renovar o Protocolo de Solicitação de Reconhecimento da Condição de Refugiado. O MPF sustentou que, caso houvesse julgamento dentro de um ano do pedido, não haveria necessidade disso.

O órgão mencionou que o procedimento de solicitação de refúgio conta com três momentos que merecem destaque: protocolo, entrevista e decisão. Segundo o MPF, os dois últimos são os causadores da demora, dado o enorme contingente de pessoas esperando, aproximadamente 180 mil.

Dessa forma, o prazo de conclusão pode superar três anos. O MPF argumentou que a Administração deve adotar mecanismos para suprir a demanda, diminuindo ou otimizando as fases, ou ainda aumentando o quadro de pessoal responsável pela análise das solicitações de refúgio.

Em sua defesa, a União sustentou que o tempo de tramitação não é desarrazoado porque decorre do volume expressivo de pedidos, que aumentaram consideravelmente nos últimos anos. Pontuou que a averiguação do preenchimento das condições de refugiado é procedimento complexo, que não comporta padronização de prazo, sob pena de desconsiderar a imensa diversidade e complexidade dos casos em análise.

Urgência nem tão urgente
Ao analisar o conjunto probatório anexado aos autos, o juiz federal substituto Marcelo Roberto de Oliveira apontou que a Lei do Refúgio (Lei 9.474/97) não definiu prazos para resolução dos processos de reconhecimento da condição de refugiado, apenas atribuiu a eles o caráter de urgência.

Segundo ele, esse caráter "deve ser observado à luz de cada caso concreto, de acordo com as suas peculiaridades, dentro de uma cronologia e, ainda, não como fator que justifique a prolação de decisões apressadas, desprovidas das cautelas inerentes à própria sensibilidade da matéria em questão, pautadas unicamente na necessidade de um encerramento célere do processo".

O magistrado destacou que o início do procedimento abrange colheita de provas e eventual necessidade de intérprete. Para exemplificar as nuances e complexidades envolvidas, ele lembrou que a quarta nacionalidade que mais teve pedidos apreciados em 2020 é a Síria, cujo idioma oficial é o árabe. Além disso, há países em que o idioma  é o francês, mas possuem territórios que também falam dialetos. "A barreira da língua é uma das que precisam ser adequadamente superadas, a fim de que o pedido de refúgio receba a devida análise".

Oliveira ainda enumerou outras circunstâncias que relativizam a duração dos processos e que foram apontadas pela União, como "as dificuldades de comunicação e contato, de alinhamento das entrevistas, da disponibilidade dos servidores capacitados e treinados para o adequado atendimento (oficiais de elegibilidade), a natureza sensível da entrevista e, ainda, casos que demandam especial atenção, como o das mulheres que sofreram abusos sexuais, às quais o atendimento será prestado por oficiais mulheres".

“Uma entrevista apropriada, norteada pela realização do princípio da igualdade — realizada, evidentemente, após a superação das eventuais dificuldades de contato apontadas pela União e de acordo com a cronologia existente —, garantirá ao requerente a condição de refugiado ou resultará no seu indeferimento, o que também é de extrema relevância inclusive à segurança de nacionais e estrangeiros".

O juiz também ressaltou que a lei garante que, após recebido o pedido de refúgio, a Polícia Federal emita protocolo em favor do solicitante e de seu grupo familiar que se encontre no país. Esse documento garante a estada até a decisão final, permitindo também expedição de carteira provisória de trabalho.

Para Oliveira, definir prazos rígidos como critérios objetivos para resolução dos processos de solicitação de refúgio, a despeito de toda complexidade envolvida, poderia levar ao deferimento de pedidos sem a devida análise dos casos, permitindo a permanência e proteção de pessoas que não merecem tal condição, ou levando ao indeferimento massificado das solicitações que chegassem no limite da tramitação.

"Dessarte, o afastamento de normativos vigentes, respaldados em lei, o estabelecimento de prazos para quaisquer procedimentos ou etapas do processo de refúgio, desgarrados de qualquer evidência de que a Administração estaria se furtando de suas funções, ou mesmo as extrapolando a ponto de incorrer em ilegalidades ou violação dos direitos dos estrangeiros, implicaria a própria substituição da Administração Pública, em flagrante violação do princípio da separação dos Poderes", concluiu. Com informações da assessoria de imprensa da JFRS.

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5012300-75.2020.4.04.7107

Fonte: Consultor Jurídico

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