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Quarenta anos da Declaração de Cartagena: proteção e desafios para refugiados na América Latina

Por Ludmila Lima

Dia 22 de novembro, celebra-se um marco fundamental na proteção dos refugiados na América Latina: os 40 anos da Declaração de Cartagena. Este documento, adotado em 1984 em Cartagena das Índias, Colômbia, emergiu como resposta às crises de refugiados resultantes de conflitos armados, perseguições políticas e violações dos direitos humanos na região.

A Declaração de Cartagena expandiu a definição de refugiados e estabeleceu princípios essenciais, como o princípio da não-devolução, que impede o retorno forçado dos refugiados a locais onde enfrentam riscos de perseguição, e a importância do respeito ao repatriamento voluntário. Para comemorar os avanços proporcionados pelo tratado, a Cátedra Sérgio Vieira de Mello da UFG organizará uma série sobre o tema.

Para entender mais sobre a importância da declaração, entrevistamos Felipe Aquino, advogado, mestre e doutorando em Direitos Humanos pelo PPGIDH-UFG, cujo trabalho se concentra na questão dos refugiados venezuelanos no Brasil.

“A Declaração de Cartagena é um instrumento fundamental para a proteção de refugiados na América Latina e sua relevância persiste mesmo após 40 anos de sua adoção. Atualmente, enfrentamos um aumento recorde do número de pessoas deslocadas na América devido a conflitos armados internos, violência generalizada, violações dos direitos humanos e desastres naturais,” afirmou Aquino. Ele mencionou a crise na Venezuela, as inundações na Colômbia, em 2011, e a seca na América Central, em 2015-2016, como exemplos das causas deste deslocamento.

A situação no Brasil: avanços e desafios

No Brasil, foram alcançados avanços significativos com a criação do Conselho Nacional para Refugiados (CONARE) e a implementação de políticas de inclusão social e laboral. A Operação Acolhida, lançada em 2018, tem fornecido assistência humanitária essencial aos refugiados venezuelanos, abordando o ordenamento das fronteiras e abrigamento.

Contudo, o país ainda enfrenta desafios na implementação dos direitos dessas pessoas. A xenofobia, a discriminação e a falta de oportunidades de trabalho e moradia permanecem como obstáculos para essa integração. A dificuldade na revalidação de diplomas e as barreiras linguísticas também contribuem para a marginalização e exclusão social.

“O futuro da proteção dos refugiados no Brasil é complexo e desafiador. Enfrentamos um aumento no fluxo de refugiados, recursos limitados, e uma sociedade que ainda luta contra a xenofobia e a discriminação. A falta de oportunidades de trabalho e moradia, bem como a dificuldade na regularização documental, são problemas significativos,” explica Aquino.

Diante disso, ele aponta algumas medidas necessárias para o fortalecimento do tratado no Brasil, que incluem:

  • Abranger novas categorias de refugiados e criar leis para promover sua proteção e integração;
  • incentivar universidades federais a promoverem a revalidação gratuita de diplomas para refugiados em situação de vulnerabilidade;
  • implementar políticas de ação rápida e coordenada para fornecer assistência humanitária básica;
  • desenvolver programas de assistência a longo prazo para apoiar a integração local dos refugiados e garantir seus direitos humanos;
  • promover o engajamento da sociedade civil sobre a temática e fortalecer a cooperação internacional para compartilhar conhecimentos e buscar melhorias;
  • criar mecanismos de escuta da população refugiada para aprimorar práticas públicas;
  • investir em políticas públicas que garantam a proteção integral dos refugiados, desde a acolhida até a geração de renda.


Caminhos para o futuro

Durante a Segunda Consulta Temática do Processo Cartagena+40, realizada em maio, em Brasília, representantes de 18 países da América Latina e do Caribe acordaram as diretrizes do Plano de Ação para o Chile 2024-2034, que guiará os esforços da próxima década na proteção e integração de refugiados, deslocados à força e apátridas.

O plano promove ações estratégicas como:

  • Políticas de inclusão socioeconômica e promoção da autossuficiência;
  • acesso a serviços públicos e sociais, como saúde e educação;
  • facilitação da documentação e inserção no mercado de trabalho;
  • reforço de vias de admissão legal, como reassentamento, reunificação familiar e vias humanitárias ou educacionais.

Essas ações visam evitar deslocamentos sucessivos, beneficiar comunidades de acolhida e assegurar a proteção de pessoas em mobilidade humana. No entanto, para alcançar resultados efetivos, será essencial o engajamento de autoridades locais, setor privado, agências de desenvolvimento, organizações lideradas por refugiados, sociedade civil e instituições acadêmicas.

O Processo Cartagena+40, que marca o 40º aniversário da Declaração de Cartagena, reafirma o papel de liderança da América Latina e do Caribe na proteção de pessoas deslocadas. Em dezembro, durante a reunião em Santiago, Chile, será formalizado o plano estratégico regional, consolidando um esforço coletivo que une solidariedade e compromisso com os direitos humanos.

O chefe global de operações do ACNUR, Raouf Mazou, destacou que as políticas inclusivas, como as propostas pelo Processo Cartagena+40, são fundamentais para alcançar estabilidade e desenvolvimento sustentável na região. Segundo ele, “a inclusão socioeconômica e as vias legais de admissão são pré-requisitos para a paz e o desenvolvimento”.



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